Trilho da Rota do Pão

As distâncias na serra são uma coisa tramada. A sua expressão em unidades diz muito pouco sobre o esforço necessário para as percorrer. O ganho de altitude já traça um retrato mais aproximado, mas ainda assim incompleto. A época do ano, as condições climatéricas, o tipo e o grau de inclinação do terreno, a nossa condição física e mental, a atenção que prestamos à paisagem, irmos em silêncio ou a falar, sós ou acompanhados – tudo são factores que podem fazer os quilómetros parecerem metros e os metros quilómetros.

Pensei nisto no fim do nosso último passeio pelo Laboreiro, pois tudo me pareceu ter passado num ápice. Para tal, terá contribuído não apenas a companhia da família bípede e quadrúpede, o céu limpo e uma temperatura amena, mas sobretudo o facto de haver um objectivo bem concreto que nos andava a fintar há meses: chegar à famigerada Casa do Frade, que também prometia ser um velho moinho de água recentemente restaurado, quando da marcação do PR128 pelo concelho galego de Entrimo.

Na realidade, o Trilho da Rota do Pão (Sendeiro da Ruta do Pan) começa em Guxinde, mas resolvemos cortar 2km ao percurso e começar em Pereira, seguindo depois para Norte durante um quilómetro até começarmos a inflectir para Noroeste numa bifurcação que, a Nordeste, nos levaria à Ameijoeira. O percurso é belíssimo e um pouco difícil, sobretudo na descida final para o moinho cujo acesso chega mesmo a ser perigoso. Mas o risco compensa e de que maneira, pois pudemos ver (e ouvir) pela primeira vez o Rio Laboreiro, que sempre conhecemos tão calmo, com um impressionante caudal que corria veloz pelo vale formado pelas serras do Laboreiro e da Peneda do lado português e pelo Monte Quinxo do lado galego. O Centeio (não o cereal, mas o nosso cão) até teve a oportunidade de testar a corrente vertiginosa do rio e estava a ver que teríamos de o ir buscar ao Rio Lima. Deu para a Manela gritar e tudo.

Quanto ao Frade, diz-se que era Português e que, ao longo dos dois últimos anos do século XIX, terá construído o moinho sozinho e em segredo (o que, tendo em conta a sua localização, torna a parte do segredo bem possível, mas a parte do sozinho francamente inverosímil). Quando anunciou a sua conclusão às populações de Pereira, Guxinde e Bouzadrago, todos ficaram espantados com a proeza e a aura de milagre de tão arrojada e solitária construção fez com que muitos passassem a recorrer aos serviços do Frade para moer o milho e o centeio. Acontece, no entanto, que o nosso compatriota tinha pelos vistos um feitio difícil e uma tara singular: para ele, as sementes dos cereais nunca estavam suficientemente limpas e exigia sempre aos compadres galegos que as mesmas fossem novamente passadas por um crivo junto ao rio antes de as moer no seu moinho. À custa disso, a farinha moída pelo Casa do Frade rapidamente ganhou fama de ser a melhor de toda a região e a única capaz de produzir um pão e uma broa do agrado tanto dos camponeses como dos fidalgos de ambos os lados da fronteira. Um belo dia, uma jovem galega chegou ao moinho com um burro que carregava um saco de centeio tão impecavelmente limpo que, pela primeira vez, o Frade permitiu que os cereais fossem logo moídos sem passarem pelo seu crivo. Logo de seguida, atirou-se ao rio e morreu. É por causa desta lenda que, ainda hoje, muitos galegos também chamam o Rio Laboreiro de Rio Barcia, que significa joio em Português.

Percurso no Garmin Connect.

4 Comments

Deixe um comentário