Em Janeiro de 1992, no âmbito do grande projecto estratégico de aproveitamento hidroeléctrico do Lindoso, meia-dúzia de aldeias galegas entre Lobios e Entrimo foram submersas pela albufeira da então recém-construída barragem do Alto-Lindoso.
A maior das aldeias submersas, com quatro dezenas de habitações e mais de uma centena de habitantes, foi Aceredo. Este povoado dedicava-se à criação de gado (ovino e caprino), mas sobretudo, e com elevado proveito, à agricultura. Cereais, hortícolas e até tabaco chegaram a ser cultivados de forma abundante devido à riqueza de um solo fertilizado desde os tempos imemoriais pelos sedimentos depositados pelos rios Lima, Caldo, Mao e Agro, cujas águas também eram famosas por serem um destino predilecto das lampreias para a desova.
Uma nova aldeia de Aceredo fora entretanto construída numa cota mais alta, mas nunca deixou de ser uma pálida imagem do que era a original com apenas uma dezena de casas e despojada do seu local de culto. A igreja, uma obra barroca do final do século XVI, tem, de resto, uma história particularmente singular e atribulada. Construída originalmente em Manín, viria a ser transladada para Aceredo em 1764, num sinal inequívoco da crescente prosperidade daquele povoado nas margens do Lima. Com a conclusão da barragem do Alto-Lindoso em 1992, a igreja foi novamente desmontada pedra a pedra e reconstruída desta vez na aldeia de Compostela. Ao longo destas transladações, o santo devoto da igreja foi igualmente mudando: Santa Eufémia (Manín), São Tiago (Aceredo) e São Salvador (Compostela). Curiosamente, apesar de terem mudado os santos, o local onde foi originalmente construída permanece no nome pelo qual ainda hoje é conhecida: Igrexa de San Salvador de Manín.
Quis o acaso que precisamente 30 anos após a aldeia ter sido submersa que a mesma voltasse a emergir fruto da seca que se abateu na região no último ano. A aldeia-fantasma transformou-se então numa pequena atração turística e, no inverno passado, chegamos mesmo a apanhar filas de carros com curiosos sedentos de visitarem as ruínas das casas e das infraestruturas impecavelmente preservadas pelas mesmas águas que foram outrora a sua fortuna e a sua desgraça.
É um cenário apocalíptico o que nos espera naquelas margens lamacentas do Lima. O nosso filho adorou, claro, e uma parte de mim também ficou fascinada, pois havia algo de cenário cinematográfico na inverosimilhança daquela paisagem. As ruínas são autênticos palimpsestos sobre os quais o olhar e a mente oscilam indecisos entre o que se vê e o passado que se imagina ter ali existido. É por isso inevitável sentir igualmente um misto de tristeza e pudor quando se caminha por estes vestígios de casas, eidos, logradouros, ruelas, praças e pontes. O silêncio seria absoluto, não fosse a fonte da aldeia que, indiferente às vicissitudes do tempo e dos homens, continua a brotar. Incessantemente.
NOTA: Aceredo vem do árabe azeredo e significa mata de azereiros, isto é, de loureiros-de-Portugal ou ginjeira-brava (prunus lusitanica), um arbusto da família das rosas (rosaceae) muito comum naquela região.























