Um rapaz nos montes

Era uma vez um rapaz que tinha os Sábados ocupados. Não por sua opção, mas porque vivia com uns pais maléficos que, todas as semanas, orquestravam percursos longos, difíceis, com pedras no caminho e demasiado oxigénio.

O rapaz não tinha escolha e, todos os Sábados lá ia, contrariado e cabisbaixo, conhecer mais um trilho. O percurso começava lento; não era fácil vencer a sua própria mente, sempre a lembrar-lhe que tinha uma cama onde poderia estar a ver vídeos feitos por brasileiros que jogam minecraft ou testam brinquedos acabadinhos de comprar.

Lamentavelmente, esses pensamentos eram de pouca dura, já que os trajetos escondiam aventuras que não tinha antecipado e que, não raras vezes, obrigavam os seus lábios a sorrir.

O avistamento de alguma pessoa era suficiente para ter de tomar um pouco da poção da invisibilidade, poção essa que lhe permitia passar mesmo ao lado do intruso sem ser notado.

Por vezes tinha de correr, esconder-se atrás de uma árvore ou saltar uma poça de água límpida, um verdadeiro horror que lhe cansava os músculos muito além do já elevadíssimo esforço necessário para a caminhada.

Por vezes, o rapaz tinha de carregar espadas ou um dos muitos tesouros que encontrava pelo caminho. Uma vez encontrou ossos, muitos ossos de um dinossauro, certamente. Também era atraído por fechaduras velhas e enferrujadas ou pedras brancas, cheias de poderes mágicos.

Nos Sábados ocupados, o rapaz sentia-se só; os seus companheiros caninos não tomavam o seu partido, seguindo velozes, felizes e imparáveis pelos trilhos.

Era recorrente vê-lo alternar entre estados de lentidão profunda, de quem não tem forças para dar mais um passo, a arrastar as botas por cima de terrenos encharcados, com estados de rapidez ultrassónica, para garantir que completava em primeiro lugar alguma etapa do percurso.

Como se não bastassem todas as adversidades descritas, o rapaz ainda tinha de participar em concursos do tipo adivinha-quantos-km-indica-o-próximo-meco. E dar pulos, deus meu, pulos de alegria quando acertava; uma canseira.

No que depender dos malfazejos pais, o rapaz vai continuar a ter os Sábados ocupados (e também os outros dias da semana, em caso de férias). Resta saber como os irá recordar e se perpetuará tamanha violência nas gerações vindouras.

1 Comment

Deixe um comentário