Terminámos no passado fim-de-semana uma tarefa iniciada há mais de um ano: a limpeza do forno comunitário da Entalada.
Quando o vimos pela primeira vez, logo após o primeiro confinamento, o forno estava em mau estado, votado ao mais absoluto dos abandonos. Para além de quase todo coberto de vegetação, o interior estava repleto de uma densa camada de lixo, sobretudo garrafas de vidro, latas e plásticos, supostamente depositados ao longo de vários anos por uma antiga habitante da aldeia. Ainda assim, era por demais evidente a sua imponência granítica, com destaque para o telhado com duas águas em lajes de pedra emparelhada, suportada por uma estrutura triangular composta por esteios apoiados em cachorros. De entre as cerca de meia-centena de fornos que ainda persistem em Castro Laboreiro, apenas o longínquo (e de dimensões bem mais reduzidas) do Rodeiro é que se lhe aproxima em engenho e sofisticação.
Quando a nossa casa ficou habitável o ano passado, metemos mãos à obra: nos últimos meses, devemos ter acartado mais de uma tonelada de lixo e segado uma quantidade infinda de silvas e giestas. O inverno e a primavera forçaram uma pausa nos trabalhos, mas no passado fim-de-semana com a ajuda da Leonor e do Jorge (grandes apologistas das virtudes arquitectónicas do forno), conseguimos, finalmente, concluir a empreitada.


Fornos como o da Entalada eram pontos de convergência entre rituais sagrados e profanos da vida comunitária das aldeias castrejas. Para além do fabrico do pão, serviam também de albergue temporário aos menos favorecidos e a lugar de convívio da população, tornando-os um epicentro de vida social. Havia assim uma relação íntima entre estes fornos e outros monumentos centenários (moinhos, eiras, aquedutos, pontes e estradas), sem esquecer práticas agrícolas (sobretudo o cultivo do centeio, na medida em que tanto as brandas como as inverneiras se localizam acima dos 700m, a denominada cota do milho). A grande vaga de emigração da década de 70, a proliferação de fornos particulares e, por fim, o surgimento de padeiros ambulantes com uma oferta diária de cereais exóticos acabariam por fazer desabar os pilares de toda esta vivência comunitária, da sementeira e colheita do centeio à produção de farinha e fabrico do pão. A nossa vizinha e benfeitora Duartina ainda coze ocasionalmente o tradicional (e delicioso) pão de centeio, mas no seu forno particular no Teso e não no comunitário da Entalada.


O nosso pequeno esforço em salvaguardar este riquíssimo património material talvez possa vir a ser, a curto prazo (pois o tempo urge), um passo para seduzir de novo uma comunidade (bastante) envelhecida e (um tanto) desencantada a ensinar às novas gerações as práticas e os rituais tradicionais que gravitavam em torno da fornalha, borralheira e tendais do nosso mui nobre e estimado forno comunitário da Entalada. A ver vamos. Os mais novos, pelo menos, estão ávidos para aprender.
